quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Os Lusíadas - Dissecado e analisado

DEFINIÇÃO DE EPOPÉIA
Uma epopéia é a narrativa dos feitos grandiosos de um indivíduo ou de um povo. Nesta definição encontramos os elementos essenciais de qualquer texto épico.
Enquadra-se no gênero narrativo - é sempre um relato de acontecimentos: o sujeito da enunciação assume-se como narrador e dispõe-se a fazer o relato de um acontecimento ou conjunto de acontecimentos a um determinado público; a dimensão e a natureza do público dependem do assunto objeto do relato, presumindo-se que será sempre constituído pelas pessoas nele interessadas; se o assunto disser respeito a uma determinada comunidade o público será mais restrito; se o assunto tiver um interesse mais vasto, o público será mais alargado, podendo abranger potencialmente toda a humanidade.
O assunto deverá ter um caráter excepcional. Nem todas as ações são susceptíveis de serem tratadas de forma épica; é necessário que, no entendimento do narrador (e do seu público), essas ações se distanciem dos acontecimentos vulgares, assumam um caráter de excepcionalidade. Nas epopéias primitivas os feitos narrados são de caráter lendário, embora essas ficções tenham sempre um fundo histórico. Em algumas epopéias de imitação, no entanto, o assunto é histórico.
Os eventos exigem um agente e, tratando-se de eventos excepcionais, o agente deverá ser igualmente um ser de exceção, um ser que, pela sua origem, pelas suas características, se distancie, se imponha aos seus semelhantes (herói), pouco importando que se trate de um indivíduo ou de uma coletividade (herói individual ou herói coletivo). Na Ilíada e na Odisseia, escritas no século VI a.C., o herói é individual: num caso, Aquiles; no outro, Ulisses. N' Os Lusíadas o herói é, como o título indica, coletivo - o povo português. Já na Eneida de Virgílio há uma certa ambigüidade: o herói parece ser individual, Eneias, mas na realidade o objetivo do poema é exaltar o povo romano.
Característica de todas as epopéias é a utilização de um estilo elevado, correspondente à grandiosidade do assunto, e que se traduz na seleção vocabular, na construção frásica extremamente elaborada e na abundante utilização de recursos estilísticos.

Estrutura externa
Os Lusíadas estão divididos em dez cantos, cada um deles com um número variável de estrofes, que, no total, somam 1102. Essas estrofes são todas oitavas de decassílabos heróicos, obedecendo ao esquema rimático "abababcc" (rimas cruzadas, nos seis primeiros versos, e emparelhada, nos dois últimos).

Estrutura interna
Camões respeitou com bastante fidelidade a estrutura clássica da epopéia. N' Os Lusíadas são claramente identificáveis quatro partes.

Proposição - O poeta começa por declarar aquilo que se propõe fazer, indicando de forma sucinta o assunto da sua narrativa; propõe-se, afinal, tornar conhecidos os navegadores que tornaram possível o império português no oriente, os reis que promoveram a expansão da fé e do império, bem como todos aqueles que se tornam dignos de admiração pelos seus feitos.

Invocação - O poeta dirige-se às Tágides (ninfas do Tejo), para lhes pedir o estilo e eloquência necessários à execução da sua obra; um assunto tão grandioso exigia um estilo elevado, uma eloquência superior; daí a necessidade de solicitar o auxílio das entidades protectoras dos artistas.

Dedicatória - É a parte em que o poeta oferece a sua obra ao rei D. Sebastião. A dedicatória não fazia parte da estrutura das epopéias primitivas; trata-se de uma inovação posterior, que reflete o estatuto do artista, intelectualmente superior, mas social e economicamente dependente de um mecenas, um protetor.

Narração - Constitui o núcleo fundamental da epopéia. Aqui, o poeta procura concretizar aquilo que se propôs fazer na "proposição".

Estrutura da narração
A narração d' Os Lusíadas tem uma estrutura muito complexa, o que decorre dos objetivos que o poeta se propôs. Desenvolve-se em quatro planos diferentes, mas estreitamente articulados entre si.

Plano da viagem - A ação central do poema é a viagem de Vasco da Gama. Escrevendo mais de meio século depois, Luís de Camões tinha já o distanciamento suficiente para perceber a importância histórica desse acontecimento, devido às alterações que provocou, tanto em Portugal, como na Europa. Por essa razão considerou a primeira viagem marítima à Índia como o episódio mais significativo da história de Portugal.
No entanto, tratava-se de um acontecimento relativamente recente e historicamente documentado. Para manter a verossimilhança, o poeta estava obrigado a fazer um relato relativamente objetivo e potencialmente monótono, o que constituía um perigo fatal para o seu projeto épico. Daí que Camões tenha sentido a necessidade de introduzir um segundo nível narrativo.

Plano mitológico (conflito entre os deuses pagãos) - Camões imaginou um conflito entre os deuses pagãos: Baco opõe-se à chegada dos portugueses à Índia, pois receia que o seu prestígio seja colocado em segundo plano pela glória dos portugueses, enquanto Vênus, apoiada por Marte, os protege.
Pode parecer estranho que Camões incluísse num poema destinado a exaltar um povo cristão os deuses pagãos, mas algumas razões permitem compreender essa atitude:

1) Como vimos, a simples narrativa da viagem seria algo monótona, tanto mais que Vasco da Gama e os seus marinheiros têm um caráter rígido, quase inumano: são determinados e inflexíveis, imunes às hesitações, à dúvida, às angústias. Não há ao nível da viagem qualquer conflito. Para introduzir o necessário dramatismo na narrativa, Camões teve que imaginar um conflito externo, o conflito entre Vênus e Baco.

2) Os poemas épicos renascentistas são epopéias de imitação e como tal sujeitas a regras estritas. Uma dessas regras impunha ao poeta a introdução de episódios maravilhosos, envolvendo quase sempre deuses da mitologia greco-latina, à semelhança do que acontecia nos poemas homéricos ou na Eneida.

3) Finalmente, o recurso aos deuses pagãos é mais uma forma de o poeta engrandecer os feitos dos portugueses. Nas suas intervenções, os deuses freqüentemente referem-se de forma elogiosa. Além disso, o simples fato de a disputa entre os deuses ter como objeto os portugueses é já uma forma indireta de exaltá-los.

Plano da História de Portugal - O objetivo de Camões era enaltecer o povo português e não apenas um ou alguns dos seus representantes mais ilustres. Não podia por isso limitar a matéria épica à viagem de Vasco da Gama. Tinha que introduzir na narrativa todas aquelas figuras e acontecimentos que, no seu conjunto, afirmavam o valor dos portugueses ao longo dos tempos. E fê-lo, recorrendo a duas narrativas secundárias, inseridas na narrativa da viagem, cujo narrador é o poeta.

1) Narrativa de Vasco da Gama ao rei de Melinde - Ao chegar a este porto indiano, o rei recebe-o e procura saber quem é ele e donde vem. Para lhe responder, Vasco da Gama localiza o reino de Portugal na Europa e conta-lhe a História de Portugal até ao reinado de D. Manuel. Ao chegar a este ponto, conta inclusivamente a sua própria viagem desde a saída de Lisboa até chegarem ao Oceano Índico, visto que a narrativa principal iniciara-se "in media res”, isto é quando a armada já se encontrava em frente às costas de Moçambique.

2) Narrativa de Paulo da Gama ao Catual - Mais tarde surge outra narrativa secundária. Em Calecut, uma personalidade hindu (Catual) visita o navio de Paulo da Gama, que se encontra enfeitado com bandeiras alusivas a figuras históricas portuguesas. O visitante pergunta-lhe o significado daquelas bandeiras, o que dá a Paulo da Gama o pretexto para narrar vários episódios da História de Portugal.

3) Profecias - Os acontecimentos posteriores à viagem de Vasco da Gama não podiam ser introduzidos na narrativa como fatos históricos. Para isso, Camões recorreu a profecias colocadas na boca de Júpiter, Adamastor e Thétis, principalmente.

Plano das considerações do poeta - Por vezes, normalmente em final de canto, a narração é interrompida para o poeta apresentar reflexões de caráter pessoal sobre assuntos diversos, a propósito dos fatos narrados.
Simbologia da "Ilha dos Amores"

Terminada a viagem do Gama e antes de regressarem a Portugal, o poeta dirige os nautas para a Ilha dos Amores, onde, por ação de Vênus e Cupido, receberão o prêmio do seu esforço.

Trata-se de uma ilha paradisíaca, de uma beleza deslumbrante. A descrição do consórcio entre os portugueses e as ninfas está repassada de sensualidade. Os prazeres que lhes são oferecidos são o justo prêmio por terem perseguido o seu objetivo sem hesitações.

Todo o episódio tem um caráter simbólico.

Em primeiro lugar, serve para desmitificar o recurso à mitologia pagã, apresentada aqui como simples ficção, útil para "fazer versos deleitosos".
Em segundo lugar, representa a glorificação do povo português, a quem é reconhecido um estatuto de excepcionalidade. Pelo seu esforço continuado, pela sua persistência, pela sua fidelidade à tarefa de expansão da fé cristã, os portugueses como que se divinizam. Tornam-se assim dignos de ombrear com os deuses, adquirindo um estatuto de imortalidade que é afinal o prêmio máximo a que pode aspirar o ser humano.
OBS.: mais informações sobre a obra= http://pwp.netcabo.pt/0511134301/lusiadas.htm

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

OROBOROS - O CICLO DO CÍRCULO

Cada pensamento que vinha na cabeça era uma forma de trabalhar com o todo. Os barulhos que se manifestavam ao seu redor motivavam- no a escrever, o respirar, atuar.
As dúvidas que apareciam, franzia a testa, o salivar amargava, os tendões enrijeciam, a garganta arranhava, o olho fechava, a posição na cadeira incomodava. Apenas a observação alheia, os toques de teclas, os falares de alguém ao longe.

Lá fora chove.
O dia está no fim, ou quase, muito para ser feito, muito para pensar, muito de tudo aquilo que pode ser feito e talvez não seja.

Interrupção.

Celular toca, apontamentos para o fim de semana, sétimo dia, bem cedo, contando que o primeiro sempre será domingo, festa, alguém que fará parte de um todo, o qual já pertence desde que existe.
Hoje, agora, daqui a pouco, mais tarde, noite, noite, sono, outro dia... O sétimo.
Ainda não o é, será, nascerá amanhã, só amanhã de manhã. Reencontros.
Conversas, riso e choro, paradoxos, antíteses diárias, e tudo voltará ao que era, transformando o novo em velho, o presente em passado, continuamente, incessantemente.
E assim virá o primeiro dia, onde Deus começou tudo. Que deixou de ser primeiro faz tempo, pois o primeiro foi o primeiro.
O agora passa, passou, passará sempre, e transforma-se em depois, e depois, e depois, correndo, correndo, até chegar no sétimo novamente, que nem sempre será sétimo, poderá ser "vigésimo sétimo", e o círculo se fechará e se abrirá na constante inconstância do Todo.
Abre-se o olho, fecha-se o olho, até o último sono. Onde nos perderemos nele, eternamente, seja claro, escuro, frio ou quente.
E nesta caminhada onde as letras se juntam, onde os sentidos são construídos e destruídos, o eterno círculo viverá eternamente, sua eterna dúvida.

ADRIANO EMERICK

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

ROMEU E JULIETA - DISSECADOS

Romeu e Julieta (The Most Excellent and Lamentable Tragedy of Romeo and Juliet, no original) é a primeira tragédia de William Shakespeare sobre dois adolescentes completamente apaixonados, cuja a "morte inoportuna" de ambos acaba unindo a família dos dois, que antes eram rivais. É seguramente uma das maiores obras da dramaturgia mundial. Fora traduzida para vários idiomas. Há centenas de adaptações teatrais e cinematográficas da obra(entre os mais populares são os dirigidos por Zeffirelli e Luhrmann). Inúmeras são também as inspirações musicais sobre este drama (sem reminiscência e balé de Tchaikovsky e Prokofiev e o famoso musical West Side Story).
A vida dos dois protagonistas foi assunto de destaque na época e durou séculos. Ainda hoje, o romance dramático de Romeu e Julieta possui um valor completamente simbólico, como se divergesse o tipo do amor perfeito, aquele que suporta os preconceitos e os atritos. O drama shakespeariano nasceu clássico e aqueles que entram em contato com este clássico, logo compreendem uma direta amorosa do sentimento amoroso tão admirável e poético.
Cenas clássicas
Ato II: Inicia com Romeu saltando para dentro do jardim dos Capuletos. Ele encontra-se com Julieta no terraço e, na clássica cena, os dois juram amor um pelo outro. Termina com Frei Lourenço, Julieta e Romeu juntos, preparados para o casamento.
Ato IV: Os Capuleto apressam o casamento de Julieta com Páris. Frei Lourenço a ajuda e sugere que ela tome um elixir e finja-se de morta, pois enviará uma carta à Romeu dizendo para ele retornar e fugir junto com ela.
Ato V: A carta é extraviada e Romeu pensa que Julieta suicidou-se. Ele encontra um boticário e encomenda um veneno. Retornando, Romeu encontra-se com Páris e o enfrenta, derrotando-o. Romeu vai ao encontro do corpo de Julieta e bebe o veneno, morrendo subitamente. Julieta acorda e, desesperada, suicida-se com um punhal que estava presente na bainha de Romeu. A família de ambos, antes rivais, juntam-se para o perdão.

A inspiração para Romeu e Julieta
Romeu and Julieta por Francesco HayezAo contrário do que se acredita, a trama de Romeu e Julieta não foi inventada por William Shakespeare. Na verdade, a peça é a dramatização do poema narrativo de Arthur Brooke: "A Trágica História de Romeu e Julieta" (The Tragicall History of Romeus and Juliet), de 1562. Shakespeare seguiu o poema de Brooke de forma relativamente próxima, mas enriqueceu sua textura adicionando detalhes tanto nos personagens principais quanto secundários, como com Mercutio.
O poema de Brooke também não era original. Em última análise, ele deriva de uma história de 1476, de Masuccio Salernitano, Mariotto e Gianozza, em Il Novelino. Luigi da Porto deu a forma moderna em Istoria novellamente ritrovatta di due Nobili Amanti, dando o nome de Roemeu e Julieta (Romeus e Giulietta) aos personagens principais e mudando a história original de Siena para Verona. Matteo Bandello adaptou a história para incluí-la em Novelle, de 2005. O poema de Brooke é derivado do texto de Bandello.
De modo geral a história de amantes com destino trágico tem paralelos com muitos contos similares em diferentes culturas, incluindo Tristão e Isolda, Pyramus e Thisbe e
outros. Essa história trágica é uma adaptação da história de Brooke.
Estrutura dramática
Shakespeare mostra sua habilidade para o drama livremente em Romeu e Julieta, proporcionando momentos intensos entre a troca de comédia e tragédia. Antes da morte do personagem Mercúcio, no Ato Terceiro, a obra é basicamente uma comédia. Após sua morte acidental, a peça torna-se subitamente séria e passa a assumir um cenário mais dramático. Ainda assim, o fato de Romeu ser banido, em vez de executado, oferece uma certa esperança ao público de que as coisas irão funcionar para os protagonistas. O público ainda tem uma outra razão para acreditar que tudo terminará bem para os dois jovens quando Frei Lourenço oferece a Julieta um plano para que ela viva com Romeu. E então, nesses momentos, todos estão em um estado de suspense; e este suspense se intensifica na abertura da última cena no túmulo: se Romeu deu um longo tempo para o Frade chegar, ele e Julieta ainda poderão ser salvos. Com a morte dos dois, o drama vai chegando ao fim e é justamente com essa cena da morte que o suspense dissolve-se, mais particulamente no momento em que Julieta segura um punhal.
Shakespeare também utiliza subplots para oferecer uma visão mais clarificadora das ações dos personagens principais, e fornecer um eixo em torno do qual gira o primeiro plot. Por exemplo, quando a peça começa, Romeu apaixona-se primeiramente por Rosalina, que recusava todos os seus avanços. A interação de Romeu com ela está evidentemente em contraste com seu amor posterior por Julieta. Isto permite uma comparação entre os dois relacionamentos, através do qual o público pode ver a gravidade do amor e do casamento dos protagonistas Romeu e Julieta. Neste caso, o plot seria a paixão de Romeu por Rosalina. O subplot, entretanto, seria o amor entre ele e Julieta. Sem o primeiro plot, nao existia uma grande confiança entre o relacionamento dos dois personagens principais, visto que Romeu pudesse estar apenas mais uma vez apaixonado, o que não é verdade. O amor de Páris por Julieta também estabelece um contraste entre os sentimentos dela por Romeu, que são apresentados depois das cenas da jovem com Páris. Julieta utiliza uma linguagem demasiada formal com Páris.
Além disso, a maior prova de que os sentimentos entre Romeu e Julieta são verdadeiros é o fato da família de ambos não se darem bem e, mesmo assim, eles insistirem em viver juntos para sempre.

SAGARANA - GUIMARÃES ROSA


Embora seja o livro de estréia de Guimarães Rosa, não é difícil ver em Sagarana esses elementos inovadores que caracterizam o Pós-Modernismo. Com efeito, a pesquisa lingüística e a ânsia do metafísico - que superam o estritamento local e regional - têm sido uma das grandes características pós-modernistas, e aqui, especialmente, de Guimarães Rosa. Entretanto, esses elementos apenas vislumbram em Sagarana, despontando intensa e desconcertantemente no monumental romance - Grande Sertão: Veredas (1956). Podemos dizer que Sagarana foi uma espécie de rascunho que Guimarães Rosa usou para a elaboração de Grande Sertão: Veredas. Na comparação não vai nenhuma subestimação do primeiro livro de Guimarães que, pelo fato de ter sido rascunho, não deixa de ser obra-prima. É a velha história de Adão e Eva que se repete aqui: toda obra-prima tem um rascunho. No caso, o rascunho seria o velho Adão; a obra-prima, a femininíssima Eva... Quem é que vai negar uma coisa desta, minha gente, quem?!

Como sugere o título, Sagarana é uma coletânea de contos estruturados a partir de uma visão moderna dessa espécie literária, pois, embora apresentem os seus elementos tradicionais, os contos de Guimarães Rosa são portadores de “um sopro renovador”, como observa o crítico Massaud Moisés: “Numa linguagem mesclada de tipismos mineiros, eruditismos e arcaísmos, traz para a literatura regionalista um sopro renovador, um senti­do de epicidade e profundo conhecimento da alma humana, que fazem dele, desde logo, um escritor de lugar definitivamente marcado” (Massaud Moisés).
Como já foi ressaltado, Guimarães Rosa foi um dos primeiros entre nós que logrou captar o mundo regional através de um prisma universal: a sua obra veio concretizar a nova dimensão que o regionalismo estava esperando: a dimensão do espírito e do mistério das coisas.


terça-feira, 16 de setembro de 2008

POETA POSSESSO

SONETO DAS ANDANÇAS

A ENCRUZILHADA
MOSTRA OS CAMINHOS.
ESTES A SEREM DECIDIDOS.
SURGINDO AS DÚVIDAS DE
QUE RUMO TOMAR...

OS QUATRO PONTOS,
OS QUATRO ASTROS,
AS QUATRO LONGAS LINHAS DA EXATIDÃO.
OS QUATRO CANTOS,
OS QUATRO SÓIS,
AS QUATRO METAS DA IMPULSÃO.

AS LINHAS,
AS RETAS,
AS SETAS...

O CAMINHO,
OS DESTINOS,
AS SAÍDAS,
AS ENTRADAS.
A CHEGADA.


DRICO MOREIRA

VIDAS SECAS INTO THE BLOG

A literatura da época

Após a revolução artística, fruto das novas tendências modernistas, no período de 1922 a 1930, surge uma Literatura Brasileira de caráter social e de um realismo regionalista. Essa nova tendência brasileira surgiu depois do famoso Congresso Regionalista de Recife, em 1926, organizado por Gilberto Freire, José Lins do Rego e José Américo de Almeida. Esse congresso tinha como pro-posta básica organizar uma literatura comprometida com a problemática nordestina: a seca, as instituições arcaicas, a corrupção, o coronelismo, o latifúndio, a exploração de mão-de-obra, o misticismo fanatizante e os contrastes sociais.
Nessa literatura, chamada de Prosa Regionalista de 1930, devemos incluir José Américo de Almeida, Rachel de Queiroz, José Lins do Rego, Jorge Amado, Graciliano Ramos e Érico Veríssimo, este último com a retratação do Rio Grande do Sul. Estudaremos, a seguir, o mais impor-tante dos autores desta época, Graciliano Ramos.

Comentários críticos

Graciliano Ramos foi um escritor extremamente cuidadoso, quanto a forma de seus livros. Reescrevia seus livros sem cessar, procurando retirar deles tudo aquilo que considerasse excesso. De estilo enxuto, então, Graciliano sempre foi considerado como exemplo de elegância e de elaboração.
É comum em suas obras o privilégio do substantivo em relação ao adjetivo. Por isso, alguns críticos gostam de afirmar que Graciliano deve ter se divertido muito quando, no romance Caetés, a personagem recebe uma carta repleta de adjetivos, denunciando o amor adúltero de sua esposa, Luísa.
Sua obra, apesar de centrar-se em determinada região, transcende o pitoresco e o descritivo dos regionalistas típicos da geração de 1930. Graciliano analisa profundamente a relação do homem com o meio, explorando também o lado psicológico e o lingüístico dessa relação.
Independente das limitações regionais, Graciliano faz uma análise profunda da condição humana. Desse modo torna-se universal.

Opiniões sobre Vidas Secas

“O narrador não quer identificar-se ao personagem, e por isso há na sua voz uma certa objetividade de relator. Mas quer fazer as vezes do personagem, de modo que, sem perder a própria identidade, sugere a dele. [...] É como se o narrador fosse, não um intérprete mimético, mas alguém que institui a humanidade de seres que a sociedade põe à margem, empurrando-os para as fronteiras da animalidade. Aqui, a animalidade reage e penetra pelo universo reservado, em geral, ao adulto civilizado” (Antônio Cândido).
Na opinião de Antônio Cândido sobre o enredo de Vidas Secas: “Este encontro do fim com o começo [...] forma um anel de ferro, em cujo círculo sem saída se fecha a vida esmagada da pobre família de retirantes-agregados-retirantes, mostrando que a poderosa visão social de Graciliano Ramos neste livro não depende [...] do fato de ele ter feito romance regionaliza ou romance proletário. Mas do fato de ter sabido criar em todos os níveis, desde o pormenor do discurso até o desenho geral da composição, os modos literários de mostrar a visão dramática de um mundo opressivo”. (Antônio Cândido)

terça-feira, 9 de setembro de 2008

SIGA A SETA! Novos textos

Se eu fosse...

Se eu fosse uma cola, colaria o Céu e a Terra, para poder viver no meio dos Anjos. Quem sabe? Não, melhor não, seria muito difícil.
Se eu fosse um número, escolheria o dois, porque é um número, que nunca vive sozinho. Mas... Esquece, por que... E se ele discutir com o seu companheirinho? Isso seria muito ruim.
Se eu fosse uma fruta, seria um moranguinho, para ser pintado em vários quadros, mas... iria ficar muito parada, não?
Acho melhor, eu continuar a ser eu mesma, posso não ser perfeita, mas tenho lá minhas qualidades.

Gabriele Giandini - 7º ano - Avaré


Uma discussão tecnológica

O Playstation III, o vídeo game mais cobiçado do mundo, encontrou um velho Nintendo e disse:
- Ei! Nintendo! Você está velho e desgastado, agora eu farei todos gostarem de mim, pela minha tecnologia, é claro.
O Nintendo interrompeu:
- Eu posso estar velho e desgastado, mas eu comecei a era dos vídeo games, e você me deve isso.
O Playstation III disse:
- Te devo o quê?!
O Nintendo respondeu:
Eu, comparado a você, fui um experimento, mas que deu certo, fazendo surgir uma nova era relacionada à vídeo games de alta qualidade, com minha criação, nasceram todos antes de você, apesar de terem me esquecido eu mereço respeito.
O Playstation III finalizou:
- Ok! Desculpas! Eu vou ter mais respeito, fui um egoísta, mais tarde serei eu que estarei esquecido, não é? Desculpe-me. Até mais!
E assim, findou a discussão sobre quem é melhor que quem...

João Rafael Venâncio - 7º ano - Avaré

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

ESTUDOS LITERÁRIOS


A ROSA DO POVO


Carlos Drummond de Andrade

A Rosa do Povo é um livro que pertence à segunda fase da poesia drummondiana: o poeta considera o mundo mais importante do que ele próprio porque se encontra temporalmente em meio ao sofrimento do fecho da Segunda Grande Guerra. Aparecem como inspiração as tragédias do cotidiano, os bombardeios, a pobreza e, sobretudo, o sentimento de impotência diante da violência, da desesperança e da morte.

A Rosa do Povo é um conjunto de poemas escritos em três anos (43 a 45); ao ser publicado (1945) recebeu dos críticos literários os melhores artigos e comentários. O livro está composto por 55 poemas e é a obra mais longa do poeta Carlos Drummond de Andrade e pertence à segunda fase da poesia daquele autor: eu menor que o mundo.

Que temática perpassa os poemas deste livro?


Basicamente a de impotência do homem contemporâneo frente as guerras e angústia diante dos acontecimentos; a perplexidade das criaturas e o medo da solidão. Há neles marcas fundas do que fizeram ao mundo ocidental os exércitos do terceiro Reich; Stalin já não se apresenta mais como monstro devastador, mas aquele que lutou também contra a barbárie de que o mundo estava sendo vítima. No Brasil, o Estado Novo getulista é recortado e vira versos: policialesco, insuportável, aparato grandioso de perseguições a intelectuais, autoridades, simpatizantes do socialismo ou comunismo.
É um livro engajado, crítico, intenso.

Publicado em 1945, Rosa do Povo é aclamado por inúmeros setores da crítica literária como a melhor obra de Carlos Drummond de Andrade, o maior poeta da Literatura Brasileira e um dos três mais importantes de toda a Língua Portuguesa. Antes que se comece a visão sobre esse livro, necessária se faz, no entanto, uma recapitulação das características marcantes do estilo do grande escritor mineiro.

Vai sempre se mostrar, um eu-lírico discreto ao sentir o seu círculo e o seu mundo até mesmo quando vaza críticas, muitas vezes feitas sob a perspectiva da ironia. Aliás, essa figura de linguagem é muito comum na estética do autor, pois pode ser entendida como uma forma torta de dizer as coisas. Não se deve esquecer que essa qualidade nos remete ao célebre adjetivo gauche (termo francês que significa torto, sem jeito, desajeitado), poderoso determinante da produção do autor.

Para a compreensão dessa obra, bastante útil é lembrar a data de sua publicação: 1945. Trata-se de uma época marcada por crises fenomenais, como a Segunda Guerra Mundial e, mais especificamente ao Brasil, a Ditadura Vargas. Drummond mostra-se uma antena poderosíssima que capta o sentimento, as dores, a agonia de seu tempo. Basta ler o emblemático "A Flor e a Náusea", uma das jóias mais preciosas da presente obra.

Nota-se no poema um eu-lírico mergulhado num mundo sufocante, em que tudo é igualado a mercadoria, tudo é tratado como matéria de consumo. Em meio a essa angústia, a existência corre o risco de se mostrar inútil, insignificante, o que justificaria a náusea, o mal-estar. Tudo se torna baixo, vil, marcado por "fezes, maus poemas, alucinações".

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Estudo sobre Teatro do Absurdo na ótica de Ionesco

Eugene Ionesco

Um dos maiores dramaturgos do século XX, Eugen Ionescu (1909-1940), na cidade de Slatina (Sul da Romênia). Depois dos estudos em Bucareste, estabeleceu-se na França, a partir de 1938. Eugene Ionesco é, ao lado de Samuel Beckett, um dos representantes mais expressivos do chamado Teatro do Absurdo, movimento teatral de vanguarda ocorrido sobretudo na França na década de 50. Suas peças evidenciaram o desmoronamento das certezas e dos valores até então considerados fundamentais.
Depois dos volumes de versos Elegias para Seres Pequeninos e de estudos críticos Não, em língua romena, sua primeira peça foi A Cantora Careca, em 1948. Seguiram-se A Lição (1950), As Cadeiras (1951), Vítimas do Dever (1952) e Os Rinocerontes (1959), peça anticonformista e antitotalitária, aclamada pelo público e pela critica mundiais.
Seus textos, carregados de humor, sempre provocam no público a sensação de vazio e de que a socidade humana esta fadada à deterioração espiritual e à autodestruição. Durante toda a vida, Eugene Ionesco manteve o seu estilo polêmico e profundamente crítico em relação ao homem embrutecido e à solidão característica da vida moderna.
Suas peças têm algo em comum: utilizam-se de situações e personagens absolutamente convencionais que, de repente, deixam irromper, do fundo da consciência, todos os desejos e sonhos reprimidos, desnudando a hipocrisia que rege o comportamento dos indivíduos em sociedade.

Teatro do Absurdo

Considerada por muitos uma anti-forma de teatro, o Teatro do Absurdo desfragmentou e destruiu a linguagem como base do teatro, buscando o recurso da metáfora e do sentido figurado das palavras para criar situações irônicas, tornando as palavras fragmentos perdidos e isolados.
A destruição de valores e crenças, após a 2a Guerra Mundial, produz um teatro anti-realista, ilógico, que encara a linguagem como obstáculo entre os homens, condenados à solidão.
Denominando de segundo romantismo, pelo retorno à consciência privada, considera-se o teatro do absurdo como um renascimento do trágico, não a partir do terror e do sangue, mas como uma perturbação solitária e um lirismo desafinado. Logo, uma problematização do real a ser solucionada.
Mais preocupada com a realidade existencial, a ruptura absurda é individualista. As personagens aparecem mergulhadas no patético, em uma fatalidade das situações irrecuperáveis, não propriamente um destino. Mas um pessimismo indesviável as impedem de qualquer gesto de rebeldia.
Talvez por isso, seus autores optaram, freqüentemente, pela via irônica e parodística, construindo uma espécie de tragicomédia, na qual o distanciamento cômico filtra o excessivo peso dos valores negativos, enveredando pela via do humor negro. Mas não assumem integralmente a despreocupação cômica, para não se desviarem da rota de representação grave do cotidiano tragicizado, marcado por duas grandes guerras mundiais e permanentes estados bélicos; sem falar nas guerrilhas urbanas, na fragilidade do apego à vida. Sem sentido, sem razão, sem individuação, sem centro. O homem do teatro do absurdo encontra-se atado a uma obsessão do nada, a uma eterna esperança que não se sabe qual é. Desprovido de todo interesse, de toda significação, inspira o tédio e o desgosto, a angústia da condição humana.

Eugene Ionesco

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

ANÁLISES E ESTUDOS (teatro, literatura)

Perto do Coração Selvagem
Clarice Lispector

No romance Perto do Coração Selvagem (primeiro romance de Clarice Lispector - 1944) é notória a aproximação com os ficcionistas de vanguarda da época, James Joyce, Virgínia Woolf e William Faulkner, pelo uso intensivo da metáfora insólita, entrega ao fluxo da consciência e ruptura com o enredo final.

Caracteriza-se pela exacerbação do momento interior de tal modo intensa, que, a certa altura de seu itinerário, a própria subjetividade entra em crise. O espírito, perdido no labirinto da memória e da auto-análise, reclama um novo equilíbrio, transcendendo do plano psicológico para o metafísico. A própria narradora revela a consciência desse salto, quando diz: Além do mais a "psicologia" nunca me interessou. O olhar psicológico me impacientava e me impacienta, é um instrumento que só transpassa. Acho que desde a adolescência eu havia saído do estágio do psicológico.

A prosa leve discorre com fluência e fluidez nos meandros da protagonista, na sua visão de mundo e interação com os demais personagens. Tudo isso revelou Clarice Lispector como mais que mera promessa na prosa da Geração de 45. É o texto do sensível e do imaginário, ora enfrentando ora diluindo-se aos incidentes reais de Joana.

A amoralidade diante da maldade. O instinto na condução da trama, com uma certa dose de auto-martírio. A história de Joana (protagonista) - não a Virgem d'Orleans, mas a personagem de Clarice Lispector nesta obra de estréia, marcou a ficção brasileira em 1944. A narrativa inovadora provocou frisson nos círculos literários. A técnica de Clarice Lispector funde subjetividade com objetividade, alterna os focos literários e o tempo cronológico dá lugar ao psicológico (o presente entremeado ao intermitente flashback). Joana expressa, por fluxos de consciência, sua vida interior, contrapondo suas experiências de menina às de adulta, mergulhando ora no passado, ora no presente, segundo o fio condutor da memória.

Deve-se ler a obra com instrumentos de anatomia: usa-se bisturi para dissecá-la e pinça para estudar os personagens como órgãos autônomos, que se ligam por estranhas artérias e nervos à personagem de coração e cérebro Joana. São eles: o pai prematuramente falecido, incentivador das brincadeiras na infância; a tia assustada com as estripulias da órfã, a quem chama de víbora; o tio fazendeiro, afetuoso com Joana e abúlico diante das reclamações da mulher; o professor confidente e orientador (como a paixão da puberdade); Otávio, o rapaz que se casa com Joana ao romper o noivado com Lígia, de quem posteriormente se torna amante; Lígia, grávida de Otávio, conta tudo à protagonista; o homem sem nome, sustentado pela mulher, participante silenciosa do romance clandestino e sem compromisso dele com Joana.

A leitura é caleidoscópica. A protagonista ora tem uma cor, ora outra, conforme o momento ("real" ou onírico). As cores dançam no enredo misturado ao cenário e às sensações da menina-mulher-amante. Joana desfila na vida dos outros personagens, destilando o veneno de víbora, instilado com ironia e respostas cruéis diante dos fatos. A leitura também é lúdica, quando o leitor tenta adivinhar o que a autora preparou páginas adiante e se surpreende com o que presencia.




Nano Moreira
Prof. Literatura Brasileira

Clarice Lispector

SIGA A SETA! (contos, crônicas, poemas e afins)

Lágrimas quentes

A noite caía, como elas caíam no frio e nevado chão. Estava frio, muito frio.
Pobres, sem família, órfãs, sem nada para esquentá-las.
O inverno naquela época era muito rigoroso. Sem amor.
Não entendiam quase nada, mas entendia tudo o que lhes acontecia.
Estavam desamparadas.
Com aquela situação, sabiam que teriam que conseguir vender todos aqueles fósforos, para conseguir alguma coisa para comer.

Somente neve, pessoas ao longe, senhoras ricas e agasalhadas, crianças e seus brinquedos, com seus sorrisos largos, era a única visão daqueles seres solitários, no frio.
Tristes, com estômago e corações vazios, saíram desta vida fria, sem ter tido um lampejo de esperança nas últimas lágrimas quentes que derramaram.

Maria Eugênia - 7º ano
Avaré
Fábulas Fabulosas

Seus personagens são animais, com atitudes e sentimentos humanos, com o intuito de ilustrar o código moral para os homens.

O osso do cão.

Certa vez um cachorro, com um enorme osso na boca, parou num rio para beber um pouco de água.
Percebeu sua imagem refletida nas águas, e achou que esta, era outro cão com um osso, então, o cachorro, desejando aquele apetitoso aperitivo, abriu a boca para lamber os beiços, deixando assim, o seu belo alimento ir por água abaixo, concluindo assim que, por desejar demais, perdeu o que já tinha.

Rafaela Bueno
7º ano -
SETA - Avaré



O Canto onde se conta Contos...

Fluxo

No parque, o andar silencioso.
A busca por um lugar no meio de todos,
Onde estar não seria ser.

Onde?
Olhar, olhares, visões, altares, bancos,
Vento, sopro, alimento.

Onde?
Andar, silencioso, pensado, centrado,
Sentado, em pé, ereto.

Onde?
Pessoas, perdões, encontrões, palavrões, silêncio...
Cada passo, cada pensamento,
Cada minuto, cada um na sua.
A música da vida, a música eterna,
A música interior, aquela.
Nada o que temer, tremer,
Nada o que tentar, girar, gritar, brincar,
Silêncio.
O parque, o baque, a volta
Revolta, solta.
A calma alma,
O ocaso por acaso.
O inerte norte,
A espera dela,
Da morte?

Anoitece.
Volta-se, envolve-se, acha-se.
Nano Moreira

Adentro

Preparando-se para agir, no estático momento da inércia total, absorvendo barulhos alheios, sons de desconhecidos, pancadas anônimas de alguns e ninguém.
Entre o silêncio e a respiração.
Nos dedos em toques contínuos, continua-se a construção daquilo que não se sabe onde vai dar, aonde acabará.
Os incessantes piscares de olhos, os movimentos incertos, os toques, os tiques, os risos, tudo acaba, tudo começa, tudo embaça.
Na vontade de mudar, sair, olhar, andar.
A vontade de não estar, abstrair, abnegar, não ficar.
Estando tudo em tudo, contudo, mudo.
O estado inaudível.
Os critérios, os mistérios, as visões, tudo.
Mudo.
Cada passo, cada um, cada qual.
Estando e não ficando, máscaras da ação, da não realização.
O silente, na movente quietude, quieta na crepitude do nada em transformação.
No quase.
Tudo, no quase.

Drico Moreira

A Ronda

Andando pelas calçadas de uma cidade semi-abandonada, onde ouvia-se o grito do vento roçando nas paredes manchadas pelo tempo.
Pouco se conseguia enxergar naquele horizonte sem perspectiva, sem luz. Onde, sabia-se, que a inexistência poderia se possível. A devastação circundava aquele ermo lugar, sem cor, sem respiração.
Naquela esperança de terminar aquele passeio sombrio, aquela ronda nefasta, o medo mesclava-se com a desolação. Ouvia somente o próprio coração bater, o seu respirar, únicos sons, companheiros, sempre presentes.
Ao terminar aquilo que poderia ser considerado como, a confirmação do não existir, do nada, mantinha sua face voltada para frente, tendo a plena certeza que aquela experiência, aquela visão, estaria sempre lá, no fundo da sua vida. Nem presente, nem futuro...Simplesmente Passado.
Adriano Emerick




terça-feira, 26 de agosto de 2008

ERA UMA VEZ, NO TEATRO... (História, pesquisa, espetáculos, estudos e outras mais)

A Origem e Evolução do Teatro
A origem do teatro pode ser remontada desde as primeiras sociedades primitivas, em que acreditava-se no uso de danças imitativas como propiciadores de poderes sobrenaturais que controlavam todos os fatos necessários à sobrevivência (fertilidade da terra, casa, sucesso nas batalhas etc), ainda possuindo também caráter de exorcização dos maus espíritos. Portanto, o teatro em suas origens possuía um caráter ritualístico.Com o desenvolvimento do domínio e conhecimento do homem em relação aos fenômenos naturais, o teatro vai deixando suas características ritualistas, dando lugar às características mais educacionais. Ainda num estágio de maior desenvolvimento, o teatro passou a ser o lugar de representação de lendas relacionadas aos deuses e heróis.Na Grécia antiga, os festivais anuais em honra ao deus Dionísio (Baco, para os latinos) compreendiam, entre seus eventos, a representação de tragédias e comédias.

O teatro grego que hoje conhecemos surgiu, segundo historiadores, de um acontecimento inusitado. Quando um participante desse ritual sagrado resolve vestir uma máscara humana, ornada com cachos de uvas, sobe em seu tablado em praça pública e diz: “Eu sou Dionísio!”. Todos ficam espantados com a coragem desde ser humano colocar-se no lugar de um deus, ou melhor, fingir ser um deus, coisa que até então não havia acontecido, pois um deus era para ser louvado, era um ser intocável. Este homem chamava-se Téspis, considerado o primeiro ator da história do teatro ocidental. Ele arriscou transformar o sagrado em profano, a verdade em faz-de-conta, o ritual em teatro, pela primeira vez, diante de outros, mostrou que poderíamos representar o outro. Este acontecimento é o marco inicial da ação dramática.






BAÚ DE FERNANDO - Análise do poema "Mestre são plácidas..." de Ricardo Reis

"Para compreender Ricardo Reis há que compreender a face mais rígida de Pessoa, a sua face helenista, de cultor do classicismo. Porque Reis é sobretudo isso - rigor, forma, disciplina. Neste heterónimo Pessoa põe essa sua faceta que lhe veio provavelmente da sua educação sobre moldes britânicos, quando residia ainda na África do Sul.
Como clássico, Reis prescreve a quem o lê estritas leis de conduta, que seguem sempre cânones muito bem definidos e baseados em apenas alguns princípios inabaláveis. Como Caeiro ele afasta-se da vida, mas tem já perante ela uma outra perspectiva que não é apenas de abandono - Reis aceita o que a vida lhe dá, e vê nessa aceitação a sua nobreza em resistir às adversidades (estoicismo) ao mesmo tempo que se deleita na contemplação das coisas que acontecem sem que eles intervenha (epicurismo).
Como regra latina que é, a filosofia de Reis assemelha-se ao funcionar de um relógio - tem uma cadência certa e perene e fala ao coração mas de modo a não nos emocionar. Tem uma grande tristeza, mas que se apaga em significado perante o modo solene como ele se nos apresenta. Reis é acima de tudo um sobrevivente, que escolhe a vida que tem como um soldado escolhe morrer pela sua Pátria.
Os temas que aborda são os temas clássicos e nada mais do que isso. Fala da morte e da vida, do prazer e da dor, dos homens e dos deuses. Não é abstracto e o seu léxico é por isso mesmo limitado e mesmo repetitivo.
Os seus poemas são odes - ode quer dizer canção - geralmente de quatro versos, dois decassilábicos e dois hexassilábicos com versos brancos e sem rima. Embora Reis varie, este seria o esquema ideal, denominado estrofe alcaica Horaciana.
A ode define-se também por seguir uma estrutura rígida em três partes: estrofe, antiestrofe e epodo - tema, desenvolvimento (resposta ao tema) e conclusão do poema.
Passemos ao poema em questão.
Escrito em 12/6/1914 o poema supostamente seria o poema inicial do projetado livro de Odes de Ricardo Reis, num dos projetos de Fernando Pessoa, nunca acabado. A importância de ser um poema de abertura é crucial, veremos já porquê.
Reis começa onde Caeiro acabara. O "Mestre" a quem ele se refere é obviamente o "Mestre" Caeiro. Ora, Reis, como discípulo, presta homenagem ao Mestre quando inicia a sua própria obra. Mas a sua homenagem é de certo modo insidiosa, porque ao homenageá-lo, Reis simultaneamente mata a sua influência, nega-o, supera-o, para ser ele também o seu próprio Mestre.
O tema é então um tributo, a Caeiro. Mas um tributo terrível. Reis prepara-se para negar Caeiro. Ele diz: "Mestre, são plácidas / Todas as horas / Que nós perdemos, / Se no perdê-las, / Qual numa jarra, / Nós pomos flores.", ou seja, não nos devemos afastar totalmente da vida, porque as horas perdidas em viver nunca são verdadeiramente perdidas, se as tornarmos num símbolo concreto, se lhes dermos a nobreza de as aceitar viver.
Reis quer distanciar-se de Caeiro, que falhara na sua missão, especialmente escrevendo os "Poemas Inconjuntos" e o "Pastor Amoroso". Reis mostra que tem uma nova perspectiva.
É um afastamento como o de Caeiro, mas um afastamento diferente que não nega a vida, antes a aceita como inevitável. Se é inevitável - diz Reis - devemos aceitá-la com nobreza, sofrer estoicamente a vida.
Escolhe Reis as flores como símbolo máximo da beleza fixa, mas ao mesmo tempo efémera - como a própria vida. Colocadas na jarra, as horas tornam-se imóveis e eternas, nunca cessam nem envelhecem, mas ao mesmo tempo sentem-se acabar num momento. O ideal estético aqui sobrepõe-se à realidade imanente - Reis idealiza a vida para a aceitar.
O verso seguinte confirma o que dizemos. "Não há tristezas / Nem alegrias (...)", ou seja, não existem emoções, se ao menos saibamos não viver a vida. O sofrimento pode ser evitado, evitando a vida ela mesma, evitando ser vividos por ela em vez de sermos nós a vivê-la.
O que fazer então? Reis aconselha-nos a "decorrê-la / Tranquilos , plácidos", como "crianças", com os "olhos cheios de Natureza". Essa Natureza que ele certamente desconhece, como Caeiro desconhecia e apenas cantava, mas que é ainda o alvo da sua atenção como poeta Pagão.
Passando pela vida, num "leve descanso", Reis espera não ter de se confrontar com os mesmos obstáculos do seu Mestre Caeiro. Parece afirmar perante si próprio que a sua missão está de certo modo facilitada - ele escolhe o seu próprio caminho e não precisa de se descobrir. A sua natureza é uma afirmação, uma escolha e não uma descoberta.
É uma questão de deixar "o tempo ir" - certamente não uma opinião do próprio Fernando Pessoa que tão interventivo era no seu tempo - para que tudo finde um dia futuro.
Resistir - isso está fora de questão, correndo o risco de enfurecer o deus que come os seus próprios filhos. (Será Saturno a devorar os próprios filhos, seguindo o mito Romano, na imagem marcante de Goya?).
A calma necessária para esta falta de actividade, para esta ataraxia, é aprendida com a Natureza. Eis o papel da Natureza em Reis - como exemplo eficaz de algo que passa pelo tempo mas que fica sempre igual, que em rigor aceita o tempo e a mudança com nobreza. Basta que aprendamos com ela a ficar imóveis perante o tempo, que decidamos não mudar nada à nossa volta. "Colhamos flores" e "molhemos as mãos nos rios calmos".
Como girassóis que olham o Sol - nova referência a uma flor - Reis espera que assim passemos ao lado de tudo, incólumes, sem influir nem sermos modificados, quase que figuras estranhas em sombra, pintados num qualquer quadro, sem grande pormenor, mas ainda assim almas humanas, ainda assim vidas conscientes.
Eis o testemunho pagão de um crente nos deuses antigos. Porque crê neles todos não crê em nenhum e o seu sentimento frio é "inteligente"; nas suas próprias palavras. Sentimento religioso vindo da inteligência que confronta o que o homem tem de divino com o que pode ter de profano e que no final deixa muito pouco - um resto ralo, uma água descolorada a que chamar vida."